Não é bagunça.

13:06 Gi Milanetto 5 Comments

Que esmalte não é bagunça, a gente já provou usando uma hashtag que é uma velha conhecida das viciadas antigas. E agora tem tanta gente que não é desse universo dando palpite, que não consegui me manter calada. Este vai ser o primeiro post sem imagens do blog, e tá grandinho - logo mais posto algum com fotos bonitas, pra ninguém ir de TLDR apenas.

Esmalte não é bagunça.
Conheci diversas mulheres para as quais o pequeno ato de dedicar um tempo ínfimo à si mesma gerou mais benefícios que qualquer sessão de terapia. Conheci grandes amigas que vou levar pra vida toda, com as quais jamais teria trocado uma palavra se não fosse por essa coisa estranha que é fazer um selfie das mãos com as unhas pintadas e postar na internet.

Todas as pessoas têm seu momento de escape de uma rotina normalmente maçante - uma série cult ou uma novela, uma leitura erudita ou revista de consultório, uma pausa praquela música que toca fundo a tua alma ou pra descer até o chão ao som do pancadão, jogar golfe com os amigos ou assistir à uma partida de futebol. Tudo está na esfera do entretenimento, e tem um bom tempo que o entretenimento não é mais tão solitário, e sim social - na verdade, não consigo imaginar um mundo sem o comentário sobre qualquer produção ficcional - livro, novela, série - na hora do cafezinho. O esmalte seria apenas um cosmético se a gente não tivesse feito dele um entretenimento social - que atire a primeira pedra quem acompanha alguma (ou todas) das diversas redes sociais nas quais as esmaltólatras se meteram - blogs, Flickr, Tumblr, Instagram, Facebook - há tempos sem nunca ter interagido de alguma forma. O mesmo Rosa Antigo que minha avó passava nas unhas toda semana na manicure agora abrilhanta as minhas, mas também serve pra que eu me dedique um pouquinho à mim mesma, converse com as minhas amigas e me sinta bem. Será que, tirando a instância tecnológica, é tão diferente assim do que minha avó fazia? Acho que sim e não.

Bom, com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades, diria um já clichê do entretenimento. As coisas estão rápidas, não tem muito espaço pra deslizes. E o que rolou agora foi um deslize bem feio. Vou só fazer um único paralelo, depois do meu discurso inflamado sobre o que esses vidros coloridos podem representar na vida de gente como eu e vocês, leitoras desse canto: existem diversas produções audiovisuais nas quais não há duas ou mais personagens femininas com nome, que mantenham algum diálogo entre si sobre qualquer outra coisa que não homens. O Senhor dos Anéis, Star Wars, Pulp Fiction, e não sei mais quantos títulos bacanas estão na lista dos que não passam no chamado teste de Bechdel. A sensação que tenho ao olhar pra isso é que, pra quem produz entretenimento, não há relevância no que mulheres poderiam conversar, então isso pode ser suprimido. Já no mundo real, aposto que tanto eu quanto vocês falamos entre nós sobre muitas coisas além de homens. E é aí que rolou o deslize.

"O assunto número 1 das conversas, em 6 cores que vão dar o que falar."

Existem homens usuários de esmalte, a gente sabe disso e em alguns ambientes - ao menos nos que eu frequento, conheço dois ou três -, eles são acolhidos e conversam conosco tranquilamente. Mas estamos majoritariamente num ambiente feminino, e vamos retomar aquele discurso lá de cima: a maioria de nós, as loucas dos selfies das mãos, e as outras mils usuárias de esmaltes desse Brasil, temos milhares de assuntos número um além dos homens - incluso o próprio esmalte, o que me deixa ainda mais indignada, vindo de uma marca de esmaltes que deveria achar bacana deixar de ser só mais um cosmético e se tornar um incitador de redes, mas pelo visto, ela prefere ficar na instância mais superficial e ser só verniz de unha, com o perdão de todos os trocadilhos. Essa coleção, ao meu ver, rebaixa o que a gente construiu em torno dos vidrinhos e de nós mesmas, nos retratando como pessoas que só sabem falar de homem. Não é porque somos mulheres que só temos interesse em amor - eis mais um reforço de estereótipo. Homens que amamos? Eu de fato amo uns poucos homens, mas amo muitas outras coisas que preferia ver representadas nas minhas unhas... E logicamente, também não os amo porque me fizeram o jantar (argh), me mandaram mensagem ou flores. Essa problematização já foi feita por aí, e eu recomendo as leituras.

Por fim, procuro ser construtiva no que faço - não vou dizer 'issae tá uma porcaria', e sim 'que tal se fosse assim?' E dessa vez, já foram construtivos por mim. Querem falar de homem? Em 2011, a Lorena fez um trocadilho bobinho na coleção "Com quem vou sair?", na qual os esmaltes tinham nomes de celebridades masculinas - então, posso falar que "hoje vou sair com o Elvis" (que é um dos meus esmaltes preferidos, aliás). Acho legal marcar que a ação está na usuária, que saiu com o Fulano, e não no fulano, que 'disse eu te amo'. Mas na minha opinião, num produto para mulheres, deve-se empoderá-las. Também em 2011, a coleção dos craquelados da Rivka, com nomes como Frida, Pagu, e Anita, me fez pesquisar e descobrir que Cacilda, o único vidrinho que comprei da coleção, representava (provavelmente) Cacilda Becker, um nome importante no teatro brasileiro - podem me chamar de aculturada, mas acho o máximo poder dizer que descobri uma personalidade feminina relevante por causa do nome de um esmalte (o mesmo aconteceu com o mito da Lady Godiva, nome de esmalte da Zoya). Ano passado, a Granado lançou no ano passado uma coleção cujos esmaltes foram nomeados em homenagem à grandes mulheres escritoras. Erudito demais? A internet soluciona! Já pensaram numa coleção que referencie as Mulheres Fodas? Entendo quem possa se incomodar com o palavrão do título e com o esmalte da Valesca, mas ao meu ver, reafirmar que somos donas de nossos próprios corpos, ainda que com palavras meio esdruxulas, num ambiente tão objetificador quanto o funk, é legítimo, e me soa muito menos ofensivo do que dizer que nosso assunto número um é homem.

Enfim, isso é só uma reflexão com a intenção de mostrar que dá pra fazer melhor, porque eu realmente acredito que isso tudo não é só esmalte e que nada é sem querer querendo. Voltemos à programação normal, porque né... Isso aqui não é bagunça.

5 comentários: